Comprei este livro numa promoção da Saraiva mais pela curiosidade. Eu me lembro bem sobre como a morte do ditador Kadafi havia sido amplamente divulgada na tv mas não cheguei a me inteirar sobre e quando li o livro não tinha nenhuma noção sobre a situação da Líbia. Foi um choque lê-lo.
O livro relata a história de uma mulher, “Soraya”, que ainda adolescente foi raptada de sua casa para ser transformada em mais uma das centenas de escravas sexuais de Kadafi, então ditador da Líbia. Kadafi governou por décadas com extrema violência e truculência. Como toda “boa ditadura”, funcionava ao ritmo de “ou você entra na roda, ou está morto”. E foi através do medo e da tirania que ele montou em sua fortaleza um harém de escravas. Embora muitas mulheres aceitassem o sexo com Kadafi em troca de favores ou dinheiro, boa parte delas era obrigada a passar pelas suas mãos. Mulheres e homens aliás.
Além de narrar a história de vida de Soraya a autora ainda tenta descobrir mais fontes dispostas a revelar sobre os estupros que aconteciam recorrentemente por parte do ditador. Por recorrentemente leia-se: diariamente ! Por incrível que pareça, até mesmo as mais altas patentes do governo tinham conhecimento das perversões de Kadafi, seus raptos e estupros. Tudo era público, no entanto ninguém falava sobre o assunto. E as famílias, faziam de conta que nada sabiam, se escondiam ou mesmo tratavam de esquecer suas meninas raptadas para não passar vergonha diante dos vizinhos e conhecidos. E mesmo agora depois do ditador morto, o assunto ainda é velado e cercado de mistérios.
O mais repudiante nisso tudo é que Kadafi se dizia um defensor dos direitos das mulheres. Usava elas inclusive como propaganda de governo. Aos olhos do seu país e mundo, Kadafi era um incentivador do ensino das mulheres. No entanto as escolas e faculdades eram na verdade o meio mais fácil dele realizar buscas de novas escravas. O mundo se admirava com suas amazonas, sua guarda pessoal composta exclusivamente de mulheres. No entanto essas mulheres tanto eram vítimas de seus abusos sexuais, como muitas posteriormente auxiliavam ele nas buscas e na vigilância de suas novas vítimas.
Mas o que há de mais chocante nessa história ? Saber que numa época como a que vivemos ainda há lugares que tratem as mulheres de forma tão cruel e preconceituosa e mesmo sendo elas vítimas de violências, toda a sociedade e até mesmo suas próprias famílias viram as costas pra elas. É um horror a maneira como essas mulheres são tratadas, em nome da religião e dos próprios costumes do país.
É triste pensar que tantas pessoas tenham tido suas vidas destruídas por esse homem e mesmo depois de tudo que passaram sigam sendo vítimas da sociedade em que vivem. Kadafi foi morto em 2011, mas essas mulheres seguem prisioneiras de sua história, tendo que se esconder do passado, fugir de suas vilas originais, simplesmente para evitar o desprezo dos vizinhos, a vergonha da família, o desrespeito por parte da sociedade. É lamentável.
Enfim, um livro forte e indigesto. Repugnante. Mas não se pode fechar os olhos para essa história. “Soraya merece ser ouvida”.
Que livro ? O Harém de Kadafi
Quem escreveu ? Annick Cojean (jornalista)
E sobre o que é ? Mais do que uma narrativa sobre o horror que Soraya passou ao ser raptada ainda adolescente e transformada em escrava sexual do ditador Kadafi, é uma denúncia contra as barbáries cometidas pelo ditador contra tantas outras mulheres e mesmo homens num jogo de poder onde o sexo era usado como arma. Trata-se também de um livro protesto contra o velamento do assunto onde a sociedade local segue ignorando as atrocidades cometidas pelo ditador, ignorando suas vítimas e tratando-as com desprezo.
E a línguagem ? A linguagem é simples e direta, de fácil leitura.
Empolgante, Emocionante, Enfadonho ? Nada disso. Trata-se de um livro de revirar o estômago. Forte e impactante. Mas recomendo a leitura. Acima de tudo as vítimas merecem ser ouvidas, merecem que sejamos capazes de nos chocar e lamentar pelo que passaram, entendê-las como vítimas. Mas infelizmente a sociedade local não parece nem um pouco dispostos para tanto.
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