Então antes de demonizar os fumantes, entenda a história cultural envolvendo o cigarro na nossa sociedade. E que somos todos suscetíveis às propagandas. Por maior que seja nosso discernimento, temos todos graus variados de suscetibilidade. E quanto maior a exposição de uma propaganda, mais ela vai ficando “arraigada” no subconsciente. A maioria das pessoas que senta num restaurante e pede uma coca (havendo diversos outros refrigerantes no mercado) o fazem porque o nome ficou encruado no seu subconsciente após anos e anos de exposição ao nome. É o primeiro que vem a mente.
Comecei então com 15, um cigarrinho aqui, outro ali. Logo veio a primeira carteira comprada e dois anos depois eu já fumava diariamente uma carteira por dia. Exatamente, aos 17 anos eu já era dependente e fumava 1 maço ao dia !
No total foram 17 anos de tabagismo ativo. Destes 17, os 9 anos iniciais já como dependente de 1 maço/dia e os últimos 6 anos foram caracterizados como tabagismo muito (muuito) pesado (já eram mais de 2 maços ao dia). O mais cômico disso é que durante anos desejei parar.
A maioria das pessoas que me conhecia não sabia deste lado, me via simplesmente como fumante, mas aos 22 anos eu já desejava parar. Intensamente. Outras vezes nem tanto. Por vezes o desejo ficava latente. Nos 10 anos que desejei parar, tive tentativas frustradas (em especial nos últimos anos). No início era só aquele desejo latente, lá no fundo … depois, algumas tomadas de atitude, em vão. Eram fases intercaladas com períodos de esquecimento: “-Não vou pensar nisso agora.” Tive tentativas graduais, tentativas abruptas … mas nunca rendera mais do que 24 horas longe do vício.
Quando entrei para a área da saúde isso começou a pesar mais. Eu particularmente muitas vezes me cobrava mais em relação a isso. As pessoas não entendiam como eu podia fumar tendo escolhido a profissão que escolhi. Mas oras bolas, quando eu entrei pra faculdade, eu já era não apenas fumante há 7 anos, mas dependente da nicotina há 5 anos . E ainda que não fosse, as pessoas tem que entender que um diploma não confere nenhuma certificação de saúde. Diploma não isenta ninguém de vício. Então largue mão dessa de encher a paciência daquele seu colega fumante porque você não conhece a história e as dificuldades (ou não) dele de enfrentamento desse vício. Mas eu, bom, eu já desejava largar o cigarro há muito… e ser da saúde me chateava ainda mais.
Só que eu já não acreditava que fosse capaz de parar sozinha. Cada tentativa frustrada, gerava um maior espaçamento pra próxima tentativa. Ficava cada vez mais incrédula diante de cada nova tomada de decisão de tentar novamente.
Pois bem, já eu havia voltado a morar em Foz e um belo dia, tomada de uma súbita e intensa decisão, me sentindo totalmente impotente pra fazer isso sozinha, resolvi procurar por informações junto a algum consultório com pneumologista. Liguei pro consultório do Dr. Luiz Henrique Zions e conversei com a secretaria … eu nem o conhecia, tirei o nome da lista. Queria saber se ela sabia de algum tipo de grupo de apoio, algum psico especializado na área, enfim … alguma terapia de apoio. Eu já sabia sobre o Programa do Ministério da Saúde, claro. Aliás, quem me conhece bem já sabe que eu conheço esse programa de trás pra frente, até mesmo porque cheguei a trabalhar indiretamente com ele. E acredito nele. Mas já não acreditava nele pra mim.
Essa ligação pro pneumologista foi como um último suspiro … já não acreditava que conseguiria, como disse. Pra minha surpresa, ela me passou no telefone com o próprio Zions. E ele disse que eu esquecesse essa história de grupo de apoio .. que fosse conversar com ele, pois ele tinha uma medicação nova, e tal, e blablabla. Bufei:
“ahhh não … é a “bupropiona” ?”, perguntei.
E ele só assentiu que não, que era outra coisa, algo novo. Me intrigou, disse que ia pensar, marquei.
Juro que fui para a consulta como quem entra pra uma cova de leões. Já me sentia derrotada, antes de entrar. Apenas queria ouvir o que ele tinha a dizer, como quem garante pra si mesma:
– “viu, não sou tão ruim, não sou tão idiota ! Estou tentando; Não quero morrer disso ou cedo demais, eu realmente quero parar, mas não o faço porque não consigo mas, juro, eu juro, não quero mais”.
Era isso que eu dizia a mim mesma, eu não via escapatória, mas seguia achando que de alguma forma tinha que descobrir se não havia alguma alternativa, algo que eu não tentara antes.
E então ele me falou da medicação: Champix. E digo a medicação hoje, pois ela já é amplamente utilizada e podem encontrar informações abundantes sobre ela na internet. Não quero incentivar o uso de auto-medicação, embora sim, com certeza esse é um post de estímulo pela ajuda especializada, que foi o que eu fiz. Mas enfim, continuando ..
Por fim, ele me disse sobre o tratamento … 3 meses … custo relativamente alto … como funcionava. Me explicou que não havia milagre, que eu realmente precisava estar determinada. Neste momento, desanimei. Segui ouvindo, mas havia um certo balde de água fria. Ele falava sobre o Champix como algo em que ele realmente acreditava … mas eu já ouvia agora levemente incrédula, pois a expressão “não há milagre” em desanimou completamente. Logo pensei:
“- Vai ser como o programa do MS (Ministério da Saúde), que furada, não vai me ajudar. Se é preciso determinação e fazer minha parte, ferrou !!! Eu não consegui até agora. Preciso de algo que faça o trabalho por mim.”.
Era o que eu pensava. Me sentia, aprisionada.
Seja como for, oras, eu já sabia há muito tempo que não havia milagre nessa área. Conhecia de cabo a rabo o tratamento oficial do MS. E sabia que ele funcionava pra muitas pessoas. Mas pra muitas, não. Mas eu queria acreditar em alguma solução dos céus. Ledo engano, o Dr. Ziaons reafirmou o que eu já sabia, eu precisava ter o meu estímulo de ajuda pra parar também. Embora levemente abalada por isso, aceitei o desafio tanto pela confiança do meu médico no tratamento como também pelo próprio mecanismo de ação do Champix, diferente do que eu conhecia da rede pública … mas confesso que não me sentia confiante.
A parte que mais me entusiasmou na consulta, foi quando ele me disse que eu primeiro tomaria a medicação por um mês antes de começar a pensar em tentar parar. No primeiro mês, eu não pensaria muito nisso. Ahh que belas palavras ! Afinal eu desejava me livrar do vício, mas é engraçado, ao mesmo tempo sim, tremia na base ao pensar que não poderia mais fumar. Sabia que sentiria saudade disso. Já sentia a dor antecipada de ter que tentar, de ter que diminuir o consumo, ter que ficar me segurando. Já previa a dor pela ausência do fumo descontraído e despreocupado. Não era só vício, lamento dizer, era tãooo bom. Mas eu realmente adorava fumar. Adorava. Mas eu precisava largar, queria parar pela saúde e ponto. Já não era uma menina. Já sentia os efeitos. O desânimo. A falta de ar. Etc.
O preço da medicação era de fazer pensar. Liguei em várias farmácias: em média o kit de tratamento (3 meses) custava na época em torno de 900 a até mil reais. Isso mesmo R$ 1000 ! Consegui em alguns lugares por menos. Poderia comprar o kit fragmentado, ou seja, em 3 partes, mas acabaria saindo mais caro no final das contas. Já fora alertada pelo médico pra não ceder à tentação de comprar na Argentina, onde algumas pessoas compravam, pois ainda assim era um remédio caro mesmo lá, pra eu não ter certeza do que estava mesmo tomando.
Segui ligando e finalmente, consegui numa farmácia por R$ 770,00. Fiz as contas. Eu já gastava bem mais de R$ 250,00 por mês em cigarro. Valia a pena.
Levei muito a sério quando ele me falou sobre NÃO ler a bula e sobre seus efeitos colaterais. Eu sempre leio as bulas. Eu só não leio a bula e engulo o que me entregarem, quando estou realmente muito mal. Mas o Dr. Zions havia me alertado sobre o fato de que a bula me assustaria. E realmente, é uma “bíblia”. Nunca vira uma bula tão extensa ! Eu já sabia algumas coisas que o médico me explicara então decidi confiar. Não li.
Eu nunca me esqueço de um dia, quando já havia parado de fumar, e esqueci de tomar o comprimido do meio-dia. Só lembrei quando cheguei em casa, já de noitinha. Tomei um susto quando me dei conta do esquecimento, não porque esqueci de tomar o remédio, mas porque até aquela hora eu não havia pensado um minuto sequer em cigarro. Lembro que pensei: “- Nossa, eu sou fumante, nossa, estou fazendo tratamento para parar de fumar !!!”. E eu estava há poucas semanas de tratamento.
Juro pra vocês que era nesse nível ! Eu simplesmente não lembrava do cigarro. Não é que ficou mais fácil enfrentar, ou eu tive mais forças com a medicação, ou fiquei menos estressada .. eu simplesmente não lembrava sequer do cigarro em vários momentos do dia. E esses momentos foram ficando cada vez mais longos.
Eu não sei se pra todos é assim, mas aqui em casa digo que foi realmente uma parada surpreendentemente tranquila e sem stress. Tanto que um mês depois de iniciado o tratamento minha confiança era tamanha, que parei a medicação.
A leveza daquilo foi tamanha, que até minha mãe se estimulou e então começou a tomar também. Acho que ela também sabia que eu ia precisar desse apoio. Minha mãe também fumara por décadas, desde a adolescência e também fumava tanto quanto eu. Ela iniciou o tratamento e com menos de um mês de tratamento ela já não fumava mais.
Eu tinha certeza que não ia mais fumar. Ia desejar, ia sentir vontade, ia sentir saudade … mas não ia mais fumar. E agora são 4 ANOS.
Há dois anos atrás, quando postei sobre meus 2 anos sem cigarro, falei sobre algumas raríssimas vezes que ainda sentia aquela “saudadezinha” de um cigarrinho embora sempre seguindo convicta de que em hipótese alguma iria voltar atrás. Eu dizia que a saudade era só do cigarro, jamais do “ser fumante”. Hoje, é uma alegria dizer, que já não há nenhuma saudade. Conscientemente decidi isso: nunca mais quero ser fumante. Não quero mais ser dependente disso.
E foi assim que superei a saudadezinha que cheguei a sentir nos primeiros anos e consegui ignorar os esparsos momentos de desejo. Muitas vezes vi uma pessoa fumando e sentia uma certa inveja. Pensava que queria ser ignorante, no sentindo de não saber o quanto aquilo faz mal, o quanto já me tornou escrava, não saber de como foi o trajeto até finalmente achar uma saída … seria tão bom ser assim. Mas eu não sou. E hoje posso dizer também, que esse sentimento que eu ainda tinha há 2 anos atrás, hoje também não existe mais. Quando vejo um fumante, chego por vezes a ter o mesmo sentimento que os não fumantes que tem horror a cigarro: pensar, bahh , tomara que esse ser fique bem longe de mim com esse fedor. Peguei um asco grande pelo cheiro. Chego por vezes a ficar enjoada com ele. A vontade de fumar é Zero. E minha mãe? Bom, ela também segue firme, parou naquela época comigo e nunca mais voltou a fumar. Mas vive dizendo que sente muita saudade. Espero que um dia ela chegue ao mesmo patamar que eu.
O fato é que hoje respiro fundo e levo a vida em frente. E com a certeza de que aumentei as minhas chances de que que ela vá bem mais em frente agora.