SOPA DE LETRINHAS

Sopa de Letrinhas: Pessoas Deslocadas

02.09.2018

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Minha leitura mais recente foi do livro Pessoas Deslocadas, escrito pelo autor Joseph Berger e que narra uma boa e importante parte da sua história de vida. Pessoas Deslocadas é mais um dos livros da minha singela coleção de livros de guerra, no entanto usar o termo “mais um” é um tanto quanto equivocado pois este livro se mostrou um dos mais interessantes que já li sobre a Segunda Guerra Mundial.

 

 

O grande diferencial deste livro é justamente o fato dele não traçar detalhes sobre a guerra em si, ou sobre estratégias, ou sobre o sofrimento, a fome e a dor … embora alguns destes temas obviamente estão muito presentes na leitura pois fizeram parte dessa difícil fase de vida do autor e sua família. No entanto o livro é bem mais amplo que isso … ele entra na realidade cotidiana de Joseph e sua família. O livro conta sobre todas as dificuldades enfrentadas por uma família que decide abandonar a Europa pra seguir a vida num novo continente. Através de Pessoas Deslocadas podemos finalmente imergir em um pouco da dura realidade que famílias imigrantes enfrentaram ao recomeçar a vida nos Estados Unidos, país escolhido pela família de Joseph Berger para fugir dos horrores da Segunda Guerra Mundial.

A família saiu da Polônia e encontrou algumas dificuldades nos Estados Unidos mas ao mesmo tempo houveram muitas oportunidades de crescimento e acima de tudo a chance de viver. Mas enquanto o imaginário popular coloca os Estados Unidos como o recanto salvador para todas essas pessoas, através deste livro pude perceber o quão difícil ainda seria o caminho a ser traçado por uma família que deixa toda sua história, sua língua, seu ofício, seus mortos para trás.  O choque cultural só não é maior porque eles não estavam sós … milhares de famílias emigraram e muitas escolheram os Estados Unidos como nova morada. Mas mergulhar em bairros de imigrantes não seria uma forma de atrasar ainda mais eles na inserção da cultura americana ? Mas ao mesmo tempo, a avidez pela inserção na cultura americana não é também uma forma de anular um pouco da própria cultura ?

 

Pude perceber nitidamente através do livro a mudança de impressões que o autor dá sobre seu ambiente dependendo da fase da sua vida. Enquanto na infância a sua origem polonesa e sua história de vivência na guerra ainda marcam muito ele e percebemos exacerbadamente o quanto ele descreve as dificuldades financeiras ou de aceitação passadas pela família, na sua adolescência e juventude o discurso já é mais voltado a gratidão pelas oportunidades recebidas por estar vivendo na America e nota-se um pouco da sua “americanização”. Mas é incrível como o resgate da sua história, a percepção maior do sofrimento que seus pais passaram, e a compreensão maior sobre o amor que seus pais tinham pela própria terra, só se darão a medida que Joseph vai escrevendo o livro e se deparando com os relatos de sua mãe em especial.

Por mais que crianças tenham passado por terríveis coisas nas guerras, Joseph sentia toda essa tristeza de forma rebatida pelas consequências de todos os acontecimentos. Mas ele era criança demais pra entender muita coisa ou mesmo impregnar-se excessivamente com toda aquela dor. Ele teve a chance de crescer livre em outro país e pode fazer muitas escolhas para sua vida. Só adulto ele realmente pode ter a percepção do quanto tudo que ele vivia de dificuldades na sua infância era extremamente amplificado na sensibilidade do adulto e também carimbado muito mais profundamente em suas almas.

Algo realmente interessante sobre este livro é que leva um tempo até o autor explicar o título do livro. Ao se deparar com a temática de uma família que, assim como muitas outras, abandona forçadamente sua terra por conta da guerra, você logo imagina que o título remete ao deslocamento forçado para um novo país, deixando para trás sua terra, seus pertences, seus familiares, seus mortos, uma vida construída.  Mas quando você descobre o real motivo deste livro, percebe de vez que durante toda sua vida talvez você tenha apenas olhado pra um lado da história. E quando digo olhar pra um lado da história, não estou me referindo a “bem” e “mal”, “aliados” ou “eixo”. Eu quero me referir ao fato de que de forma geral nós estudamos tanto essas guerras, lemos tanto sobre o impacto das guerras sobre a vida das pessoas mas geralmente só analisamos o pós-guerra sob o ponto de vista econômico ou político e raramente do ponto de vista humano. Ninguém fala muito sobre as histórias pessoas do pós guerra.

Ser um deslocado é muito mais do que deixar seu lar forçosamente por conta da guerra (e esse termo não foi inventado pelo autor – fazendo umas buscas no google descobri que este é o significado mesmo do termo e que ele surgiu justamente em função da Segunda Guerra Mundial  mas pode ser aplicado às diversas guerras com geração de migração de deslocados ou refugiados. Ser um deslocado tem a ver com o migrar também – tem a ver com o que você deixa pra trás mas também com a história que você encontra no futuro. As dificuldades na nova terra. O preconceito que pode haver pelo povo que chega. As diferenças e choques culturais. Ser um deslocado é um recomeço numa terra estranha, com leis diferentes, um povo diferente e uma total falta de pertencimento que faz com toda a aventura de sobreviver recomeço – já não é mais uma sobrevivência física como quando fugiram da guerra; mas uma sobrevivência cultural e emocional.

 

 

Uma das preciosidades deste livro é o pequeno miolo com algumas fotos de acervo da família. Fotos do pequeno Joseph e deste já adulto trazem uma realidade vívida ao homem que ele se torna e da nova chance concedida a toda sua família por conta das portas abertas na época pelos Estados Unidos. Nos faz pensar sobre a importância da empatia e solidariedade pelos que sofrem.

 

 

A narrativa do livro é maravilhosa. O livro arrebatou toda a minha atenção não apenas pela escrita como também pela surpresa ao me deparar com este tema que eu ainda não havia encontrado em outros textos: conhecer mais a fundo sobre o que é ser um imigrante pós-guerra e todas as dificuldades encontradas ao chegar num novo país sem dinheiro e sem trabalho, tendo que reaprender um novo ofício e se inserir numa nova cultura. Realmente um livro incrível que traz um novo olhar sobre a Segunda Guerra Mundial.

Recomendo a todos !

 


SINOPSE DA LIVRARIA SARAIVA:

 

“Judeu nascido na Rússia, o repórter Joseph Berger, do jornal The New York Times, narra a luta de sua família para sobreviver aos horrores do Holocausto em um país desconhecido. Trazendo à tona episódios pouco conhecidos sobre a realidade dos refugiados que se abrigaram nos Estados Unidos entre 1947 e 1953, ele relembra a infância, as dificuldades de adaptação na nova pátria e a convivência nos campos d refugiados. Com ‘Pessoas Desconhecidas’, Berger rende uma grande homenagem aos sobreviventes de um dos eventos mais chocantes da história.”

 


INFORMAÇÕES ADICIONAIS

 

Editora: Globo Editora

Ano da Publicação: 2004

N. de páginas: 405

Apresentação do livro: capa histórica, bastante representativa para a temática, com acabamento em tipo brochura. Contem no seu interior um anexo com fotografias de época do autor e seus familiares, em papel comum, preto-e-branco, com definição das fotos baixa devido a serem fotos muito antigas.

Linguagem: livro em narrativa, de fácil leitura e fluido.


 

 

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